‘Pressa é inimiga da perfeição’, diz engenheiro sobre Campo da Fé
26 de julho de 2013Para ele, faltaram estudos técnicos e hidrológicos. Terreno virou poça de lama e evento foi mudado para Copacabana.
O engenheiro civil Antônio Eulálio, especialista em estrutura e conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ) disse nesta sexta-feira (26) ao Bom Dia Rio que os alagamentos na área escolhida para a montagem do Campo da Fé, em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, não são novidade e são de conhecimento de todos.
Para ele, faltaram estudos técnicos e hidrológicos que determinassem o que deveria ser feito para não acontecer o tipo de situação que provocou a mudança da agenda do papa para Copacabana. Ele disse acreditar que iniciaram as obras sem saber que tipo de solo encontrariam.
A missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, com a presença do Papa Francisco, que estava prevista para domingo (28) no Campo da Fé, foi transferida para a Praia de Copacabana, na Zona Sul. A vigília que ocorreria no sábado também mudou de lugar. Segundo o Comitê Organizador da JMJ, o mau tempo tornou a realização impraticável, já que o local amanheceu tomado por lama na quinta (25).
“A pressa é inimiga da perfeição. Esses estudos em geral são relegados a segundo plano porque implicam custos e tempo. Por isso, acredito que toda obra pública deve ter seguro. O seguro verificaria esse tipo de problema no inicio”, disse o engenheiro.
Segundo Antônio Eulálio, o terreno onde foi montado o Campo da Fé é conhecido como Baixada de Sepetiba, e é idêntica à de Jacarepaguá. O solo é de uma grande camada de argila mole, que tem que ter sua profundidade calculada antes do início de uma obra, disse o engenheiro.
O engenheiro informou que todos sabem que aquele terreno tem grandes camadas de argila orgânica depositadas, são solos sedimentares.
“Quando cai chuva, as características de resistência desse tipo de argila mudam, principalmente quando saturada. Isso é sabido, não precisa ser engenheiro muito experiente. Para determinar uma solução, seria necessário um especialista em geotecnia. Acredito que não um profissional desse tipo não foi consultado, apesar de termos no Rio excelentes engenheiros”, disse.
Antônio Eulálio disse que, apesar de julho não ser mês de chuvas fortes, já foram registradas chuvas nessa época do ano na região. Segundo explicou, o engenheiro tem que ter o histórico das chuvas e prever que pode chover, o que vai saturar o solo fazendo-o perder a perder a resistência.
“Não choveu muito forte, mas choveu vários dias. O solo já é úmido, o lençol já é alto, e o aterro para nivelar o terreno já sobrecarregou a camada de argila. Então, com a chuva constante, tem que aumentar a resistência do solo com varia soluções, desde usar drenos verticais, ou mantas geotexteis, que aumentam a resistência entre camada de argila e camada de aterro”, disse ele.
As mudanças
Depois da abrir a vigília no sábado, a igreja pede que os peregrinos voltem para casa e não durmam na praia, já que não há estrutura montada para isso. Em Guaratiba, havia palco e estrutura de banheiros e montados. As barracas não estão permitidas em Copacabana.
“Seria uma atitude irresponsável nossa manter a vigília ali”, afirmou Dom Paulo, que integra o comitê organizador do evento. Segundo ele, o Papa Francisco já foi informado sobre a decisão e está de acordo. Ele afirma que Guaratiba havia sido escolhida a pedido do próprio Papa, que preferia visitar um local mais carente. “Foi uma decisão difícil para nós, mas muito responsável”, disse.
Segundo o prefeito Eduardo Paes, não houve aporte de dinheiro da prefeitura no terreno, apenas no entorno, como em dragagem de rios. Dom Paulo não informou o valor gasto para realizar o evento em Guaratiba, mas disse que tudo foi financiado pelo Comitê Organizador Local (COL) da JMJ Rio2013 no Campus Fidei (Campo da Fé).
Moradores contam prejuízo
Vizinhos do Campo da Fé, em Guaratiba, reagiram com surpresa e indignação à notícia do cancelamento dos eventos. Moradores e fiéis ouvidos pelo G1 dizem que a situação já era precária desde a semana passada e que a decisão poderia ter sido tomada com antecedência maior. Ainda assim, em razão das péssimas condições do local, os peregrinos consideraram a troca necessária.
“Não tem como mesmo fazer aqui”, afirmou o pedreiro Ednaldo Freitas Ribeiro. “Como é que vai fazer o evento desse jeito, onde até mesmo quem está trabalhando de botas aqui tem dificuldade para entrar?”, questionou. “O prefeito e os engenheiros deveriam ter percebido isso já há algum tempo.”
“Gastei R$ 1,5 mil para comprar bebidas para vender para os peregrinos. Quem vai cobrir agora esse prejuízo?”, afirma o morador Paulo Teixeira Felipe. Ele disse ainda que vários vizinhos chegaram a alugar casas para os participantes.
“Será péssimo para a imagem do Rio de Janeiro. Isso vai ser mostrado no mundo todo. É uma vergonha”, diz Elton de Jesus, caseiro.
Fonte: G1 Rio